** Faz muito tempo que estou para escrever este texto. Como paulista casada com um gaúcho, muitas vezes as sombras da cultura regionalista dele me ferem. Não como paulista, mas como pessoa. **
Os gaúchos tem milhares de qualidades, mas são sim o povo mais bairrista e ufanista (não xenófobo) do Brasil. A questão é: isso é bom? O José pode achar que sim. Já eu acho que todo aquele culto à bandeira, todo aquele modo de falar dos pampas como se fosse uma religião, muito denso e perturbador.
Acredito que isso se deve ao regionalismo e a diferença entre povos de regiões próximas. As pessoas em geral tem necessidade de se afirmarem melhores que outras, e os gaudérios fazem isso enaltecendo sua terra, sua cultura e sua história. É um orgulho bobo, já que tudo isso não é mérito de nenhum deles.
Mas os gaúchos tem isso enraizado em sua cultura. Consideram-se um povo marginalizado, longe demais do resto do país. Vítimas de piadas, preconceito e segregação. Mas não percebem que eles mesmos se colocam nessa posição, esquecendo-se que, antes de gaúchos, eles fazem parte de uma coisa maior. Ainda assim, fazem questão de levantar a bandeira tricolor, cantar o Canto Alegretense a plenos pulmões, e não percebem que eles mesmos se colocam como minoria e acabam se apoiando nas muletas de um preconceito inexistente.
Minha única bandeira é a liberdade. Defendo o direito de todos poderem dizer e fazer o que quiserem (desde que não prejudiquem outros, claro) e isso inclui o direito de se ter prazer de dizer de onde é, e não um orgulho cego e sem fundamento.
Às vezes, andando pela rua, observo as pessoas trabalhando, vivendo, amando e fico maravilhada, apreciando em êxtase a beleza da vida humana. Outras vezes, fico chocada com as pessoas. Será que somos realmente da mesma espécie? Será que eu sou mesmo tão diferente assim?
Os comentários de alguns, o ódio, o protecionismo, a insegurança cultural, o medo do outro, o ufanismo, são exemplos de como as pessoas andam algemadas a preconceitos profundos, cada vez mais pequenas e mesquinhas, seu pensamento distorcido e embotado por doenças culturais como o bairrismo.
Parece que algumas pessoas só conseguem raciocinar em termos tribais, pequenos, limitados. Um discurso universal, humanista, libertário, que tenta pensar nossa espécie como um todo, é algo aparentemente tão radical que elas não discordam: nem apreendem.
Enquanto o mundo caminha numa direção em que se fala cada vez mais em termos gerais e universais, ainda existe gente que enxerga tudo num ângulo específico e bairrista.
Eu amo todos os seres humanos. Eu não sou paulista, eu não sou brasileira. Eu sou humana.
Estou cansada de pensamentos pequenos, pessoas mesquinhas, leis tribais. Eu sou brasileira, eu sou paulista, eu sou gremista, eu sou budista... Que mundo é esse?! Será que não tem ninguém nesse salão pra dançar comigo?
Quem me dera encontrar outra pessoa, só uma outra pessoa, que me dissesse: eu não sou nada, eu sou só o Paulo, a Cláudia, o João, um animal humano, à vontade entre todos os povos, sempre sozinho, sempre acompanhado, que pertence a todos os grupos e não pertence a nenhum.
Nossa cultura sabe cuidar de si mesma. Os membros individuais dela, aparentemente não.
Eu não quero que concordem comigo. Eu não quero ter discípulos. Eu não quero nem mesmo convencer ninguém. Tudo o que eu quero é mostrar uma via alternativa.
Tudo o que eu quero é abrir os seus olhos, nem que apenas por um segundo, nem que você discorde de mim, para o fato de que o mundo, como ele é hoje, não é uma construção unânime.
Existem vozes dissidentes, existem pessoas que pensam diferente, existe a possibilidade de viver uma outra vida, sem mesquinharias, tribalismos, religiões, maniqueísmos, preconceitos, prisões. Mais ainda, sem esqueminhas mentais dogmáticos e pré-fabricados, que almejam explicar tudo com suas formulinhas, mas que só conseguem embotar o pensamento humano, como o marxismo e o cristianismo.
Ser pequeno, mesquinho, preconceituoso, ressentido, invejoso, tudo isso é muito fácil. E muito tentador.