domingo, 27 de março de 2011

30 Cartas, 30 Dias #02

Dia 02 - Uma paixão

Oi, você. É, você mesmo, sentado neste sofá verde que eu conheço tão bem. Será que a esta altura ainda consegue se lembrar do meu cheiro ou da minha voz?

Eu era jovem, imatura, inexperiente, despreparada. Você viu em mim algo que nunca teve, e quis partilhar seu mundo comigo. Eu aceitei.

Você me completava, me dividia, me somava e me subtraía. Você multiplicava meus sorrisos todo o tempo, me dava forças e me apoiava. Nunca houve "eu" ou "você", "meu" ou "seu". Era nosso amor, nosso respeito, nossa dedicação, nossa vida. Éramos completos por sermos iguais.

Nossa relação era bem como dizia a música que você sempre me dedicava - Wonderful Tonight.

Lembro de cada encontro, de cada desencontro, cada discussão, cada reconciliação. De quando você parou o carro no meio de uma avenida movimentada só pra pegar uma flor do canteiro central pra mim porque você a achou bonita. Do dia dos namorados que caiu numa quarta-feira e eu não poderia sair, e mesmo assim você foi pra casa de terno e gravata com taças e uma garrafa de vinho. Do All-Star amarelo que eu  queria tanto e você me deu. Da sua ignorância fingida quando eu pisei na bola. De você me ensinando a dirigir e se preocupar comigo quando quase bati seu carro. Da flor que você colocou  dentro do meu livro da faculdade. Do sol nascendo na praia depois de uma noite de bebedeira. Do meu nome escrito no acostamento com xixi. Da sua amizade com a minha mãe. De quando minha saia rasgou no meio de uma festa quando eu pulei nas suas costas. Do jeito que você me olhava e me devorava. Lembro de você me procurando às cegas numa praia e de eu te esperando por horas na escada do seu prédio.

Você está gravado em mim, na minha cabeça, no meu suor. Você está em cada lágrima que eu deixei rolar por ter meu coração partido. Todas as minhas idas e vindas remetem à você.

Tudo em você me faz falta, até hoje, mesmo depois de tanto tempo. Ainda posso sentir seu cheiro e ouvir sua voz me chamando pelo apelido que você carinhosamente me deu - e que carrego até hoje.

Sinto falta do seu jeito equilibrado e manso, do seu jeito de me tranquilizar e não só falar, mas mostrar, que as coisas ficariam bem depois de uma tormenta. Você sempre soube dizer as palavras certas na hora certa, avançar e recuar quando necessário, me tratar como uma menina desprotegida ou como uma mulher forte, conforme a situação.

Eu te amei. Meu Deus, como eu te amei. E eu daria qualquer coisa pra voltar atrás e fazer tudo diferente, e te ter comigo sempre e pra sempre, como costumávamos dizer.

Mas não. Eu não soube lidar conosco. Me deixei deslumbrar e iludir com sonhos que nunca te deixei saber. Por tanto medo de te perder, eu te perdi.

E continuo perdida, andando por aí, à deriva, pagando um preço alto por ter te deixado.

Se eu ainda te amo? Não sei. Mas sei que te procuro por aí, em outros rostos e outros sabores. Sei que a sua falta é a mais dolorida que eu tenho.

Me perdoa por ter errado tanto. Eu estava tentando acertar.

Nenhum comentário: