domingo, 31 de dezembro de 2017

Contagem progressiva

Eu planejei tudo para dar um fim às coisas hoje. E a vida, como uma dama com uma luva de pelica, me bateu na cara quando eu já não tinha mais esperanças.

2017 foi um ano conturbado. Ouso dizer que está nos top 3 piores anos da minha vida.
Perdi o emprego que eu tanto amava. Magoei pessoas que me são caras, queridas e importantes. Me afastei da minha família de sangue. Fui abraçada pela depressão e vi o rosto da morte diariamente. Esperei sem vontade por um milagre.

O milagre que eu esperei me aconteceu.

Fui chamada de volta para a empresa que sempre me abraçou e me apoiou. Reconstruí minhas relações e conheci o perdão. Entendi que família de verdade é aquela que a gente escolhe e que nos acolhe. Ainda converso frequentemente com a tristeza mas já não sinto o fio gelado da morte.

O milagre que eu esperei me aconteceu.

Até ontem eu acreditei que este ano seria o fim. Agora acredito que ele veio e destruiu tudo para que eu possa me reinventar e colocar tudo em seu lugar.

quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

Contagem regressiva (-3)

Ontem estive conversando com alguém que já esteve em meu lugar. Claro que em outros contextos, porém com a mesma conclusão.
Eu não tinha parado pra pensar se minha decisão é por falta de esperança ou para atingir outras pessoas, e minha conclusão é que é um pouco de cada. A desesperança está cada vez mais encravada em mim, me cutuca e me corrói.

Desesperança.
Desprezo.
Invisibilidade.
Desimportância.

Há algo sobre nós mesmos que ignoramos. Algo que negamos existir até ser tarde demais para se fazer algo a respeito. É o único motivo pelo qual levantamos toda manhã. O único motivo pelo qual aguentamos o sangue, o suor e as lágrimas. É porque queremos que as pessoas saibam o quanto somos bons, atraentes, generosos, engraçados e inteligentes.

"Tenha medo de mim ou me reverencie. Mas por favor, me considere especial."

Compartilhamos um vício: a necessidade de aprovação. Todos nós queremos um tapinha nas costas e o relógio de ouro, o grito da torcida. "Olha só o garoto inteligente com o brasão polindo o troféu! Continue brilhando, diamante maluco!" Afinal somos macacos de terno, implorando pela aprovação dos outros. Se soubéssemos disso, não faríamos isso tudo.

Desesperança.
Desprezo.
Invisibilidade.
Desimportância.

Abrace a dor e vença esse jogo.

terça-feira, 26 de dezembro de 2017

Contagem regressiva (-5)

"O que você vai fazer no Ano Novo?"
"Não sei. Provavelmente morrer."

Foi assim que começou meu primeiro diálogo hoje. Descemos para fumar e lá se foi quase uma hora podendo, finalmente, conversar abertamente com alguém sobre meus planos. E sem ser julgada. Sem ser taxada ou rotulada. Apenas uma pessoa me ouvindo e discutindo suicídio como se discute o futebol do final de semana.

E foi bom.

Ao longo do dia me esforcei para esconder as marcas que fiz em meu corpo, mas o calor não me permitiu ficar coberta. Duas pessoas viram e me perguntaram o que era aquilo.

"Gatos."

Menti. Menti descaradamente. Na noite de Natal eu estava vendo minha tolerância à dor, se eu seria capaz de fazer uso do método mais tradicional.

Omiti. Omiti para quem me perguntou como eu estou. "Meu time me anima." Resposta vaga e suficiente para quem não tem um real interesse em saber das coisas.

As pessoas gostam de mentiras bonitas.

domingo, 24 de dezembro de 2017

Contagem regressiva (-7)

Cheguei no primeiro grande evento. O Natal.

Hoje eu gostaria de estar apenas em dois lugares: ao lado do meu pai e da minha filha ou ao lado do homem que estou amando. E estou em casa. Sozinha.

No último final de semana eu pesquisei muito sobre formas de suicídio. Buscando uma forma indolor, optei pela morte doce e encontrei dois métodos viáveis até então - meu carro quebrou e não liga, o que me impede de fazer da forma menos trágica e dramática.

Eu queria conversar com as pessoas que me são queridas sobre isso, então andei deixando algumas dicas sobre a minha intenção. Percebi que suicidas não falam abertamente sobre suas pretensões para que não sejam impedidos. Eu não quero que alguém me impeça, mas tenho um forte desejo de que algum tipo de milagre me aconteça e me faça sentir que ainda vale a pena estar por aqui.

Eu esperei por um milagre específico durante toda a última semana, eu pedi abertamente por ele. Pedi para o homem que amo me salvar nas festividades de fim de ano. Bastavam três palavras: "Quer ir comigo?" ou "Fico com você."

O milagre que esperei não aconteceu.

Hoje é véspera de Natal e eu não estou conseguindo entender minha cabeça. Estou confusa, como se estivesse bêbada, entorpecida. Não tenho vontade de fazer nada nem de encontrar ninguém. Não consigo manter o foco em uma atividade, já tive crises de choro e de ansiedade.

Não sei se quero sobreviver à noite de hoje.

Tenho os remédios aqui. Tenho as sacolas plásticas. Tenho a coragem. Alguns dizem que não é coragem, e sim covardia. A minha covardia é de continuar vivendo uma vida insossa, sem objetivos e sem motivações. Eu acordo todos os dias porque meu corpo me obriga e me alimento porque sinto fome. Tenho tomado meus remédios, cuidado da minha aparência e ido ao trabalho porque não quero que ninguém desconfie dos meus planos. Não para me impedir.

Ninguém tem culpa disso. Nem as pessoas que percorreram a minha história e nem eu mesma. Quem tem culpa disso é a vida mesmo. A vida que me faz sentir vilipendiada, incompreendida e descartada.

segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

Contagem regressiva (-13)

Minha contagem regressiva começa hoje porque acredito que não chegarei ao próximo ano.

A ideia de suicídio chegou como um cochicho fraco em meu ouvido, num dia banal. Como um câncer, ela foi silenciosamente ganhando espaço, primeiro aparecendo em momentos específicos de solidão. Hoje ela já é um pensamento recorrente e me faz companhia durante todo o dia, do acordar ao adormecer. No começo parecia absurdo e incabível - agora parece uma solução sensata e quase agradável.

Eu aprendi que suicidas não tomam essa decisão em um rompante. Suicídio é uma decisão consciente, trabalhada e estudada, não acontece do dia pra noite.

Eu estava estudando formas e técnicas de morrer e cheguei às possibilidades. Possibilidades tão reais e palpáveis que me fazem fazer pequenos testes para avaliar tempo e sofrimento.

Não quero sofrer, não mais.

sexta-feira, 15 de dezembro de 2017

Última oração

Tem coisas que não carecem de explicação: a paixão não veio de repente e você sempre me deixou intrigada. Me envolvi conforme fui te conhecendo, participando das suas escolhas e dos seus anseios porque você é encantador de diversas formas e jeitos. Te vi almejar, insistir e perseverar, e você ganhava mais minha admiração a cada passo e a cada conquista. Você, mesmo sem querer, rachou a armadura que me coloquei por ter perdido a fé e a confiança nas pessoas. Enquanto estivermos aqui, olharei para as estrelas e pensarei que podemos contemplar o mesmo céu.
Enquanto estivermos aqui, te darei o meu melhor.

sexta-feira, 8 de dezembro de 2017

A caminho da última decisão

Decidir colocar um fim em tudo não é uma decisão fácil. É um processo, lento e gradual, considerado desqualificado e imoral. Fútil. Irrelevante.

Ninguém conhece a dor de ninguém.

As pessoas julgam, e julgam sem saber. Julgam aquilo que ignoram. Julgam aquilo que fingem esquecer. Por isso somos todos cegos, somos incapazes de ser verdadeiramente empáticos uns com os outros. Não conseguimos enxergar além de nosso próprio umbigo.

A vida inteira eu fui pela metade. Sempre quebrada, sempre faltando um pedaço. Sempre implorando por uma ajuda que nunca chegou. Desde sempre.

Você sabe o que é não ser amada? Eu sei. Minha mãe não me amou. Um dia ela se sentiu confortável em me dizer que eu fui a grande decepção da vida dela - e, note bem, isso foi algo que eu ouvi dela, depois de anos de terapia. Não foi numa briga, foi no consultório da psicóloga.

Minha mãe nunca me amou e por todos os anos em que ela esteve viva ela demonstrou isso das mais diversas formas: agressões, ameaças, desprezo. Ela engravidou quando não queria, quando não podia. Ela fez um enxoval pra um menino. Besteira? Não quando você cresce carregando marcas na alma e no corpo, encondendo-se para que as pessoas não fizessem perguntas. Meu pai? Sentia pena de mim, por isso procurava me dar a atenção e o carinho que eu não tinha - palavras dele.

Uma infância baseada em hematomas e queimaduras de cigarro. Uma vida inteira baseada em meus pais desejando que eu não estivesse ali.

A vida não me fez forte e independente. A vida me fez fugitiva de mim mesma. Viajando para longe, morando em outros lugares, experimentando copos e corpos noite após noite. Fazendo de mim uma escrava da necessidade de carinho e atenção. E o que as pessoas fizeram para me ajudar a evitar minha própria degradação, desde criança? Nada. As pessoas não se envolvem, as pessoas não se importam.
A sociedade em que vivemos é podre.

E minha degradação continuou. Seja pelo estupro que sofri e meus pais me tacharam de vagabunda, seja pelas tentativas de suicídio em que fui considerada dramática, pela gravidez não planejada em que fui chamada de inconsequente. Como se tudo o que passei fosse irrelevante e irresponsável. Quando é tarde demais as pessoas se perguntam o que havia de errado.

Pais que não enxergam seus filhos, se mutilando, se drogando, se destruindo. Mães que ignoram seus filhos, pais que humilham, irmãos que rejeitam. O sangue do meu sangue que me deixa pra trás como algo descartável.

Eu não sou forte como as pessoas gostam de pensar. Minha cabeça sempre esteve doente, ansiosa e angustiada, definhando. Ninguém vê. Ninguém se importa. No final da noite estão todos em seus lares confortáveis cercados de quem lhes é estimado - e aquele amigo, aquele parente, aquele conhecido, tadinho, ninguém suporta.

Ninguém se importa até que é tarde.

Eu não queria morrer. Eu imagino que tenho tanta coisa pra viver, pra conhecer, pra me engajar. Mas eu não tenho mais forças. Eu não sou forte, eu não consigo passar um dia sem derrubar lágrimas, eu não deixo de pensar que tudo o que eu tentei construir não faz qualquer sentido.

Eu tenho um sem-número de motivos pra chegar a este ponto. Minha mãe me espancava, meu pai fingia que não via, meu irmão não entendia. Meu melhor amigo me abusou, meu marido me agrediu, minha filha me deixou. Eu assisti minha morte e não sabia o que fazer a respeito.

Eu não quero as lágrimas da minha família. O que é família? Minha família é um monstro que me engole e me drena. São pessoas egoístas e narcisistas que preferem jogar as cinzas debaixo do tapete pra não terem suas vidas superficiais reviradas e suas rotinas fúteis estremecidas.

As pessoas são horríveis. Todo mundo se degladia em busca de atenção. As pessoas usam e abusam umas das outras e depois dizem que não tem nada a ver com isso e que cada um é responsável por si próprio. As pessoas são muito filhasdaputa.

Eu tenho medo de morrer. Tenho medo de haver algo depois dessa vida e a dor não acabar. Eu sou muito covarde. E eu já estou morta, já não tenho valia nesse mundo. Nem me reconheço mais. Eu não aguento mais viver assim.

Passo as noites pesquisando métodos e técnicas e me pego pensando em quanto tempo levarão para encontrar meu corpo inerte em casa. Consigo imaginar com perfeição meu corpo já putrefato e mau cheiroso - é o cheiro que vai chamar a atenção, não a ausência.

Ninguém se importa.