sexta-feira, 8 de dezembro de 2017

A caminho da última decisão

Decidir colocar um fim em tudo não é uma decisão fácil. É um processo, lento e gradual, considerado desqualificado e imoral. Fútil. Irrelevante.

Ninguém conhece a dor de ninguém.

As pessoas julgam, e julgam sem saber. Julgam aquilo que ignoram. Julgam aquilo que fingem esquecer. Por isso somos todos cegos, somos incapazes de ser verdadeiramente empáticos uns com os outros. Não conseguimos enxergar além de nosso próprio umbigo.

A vida inteira eu fui pela metade. Sempre quebrada, sempre faltando um pedaço. Sempre implorando por uma ajuda que nunca chegou. Desde sempre.

Você sabe o que é não ser amada? Eu sei. Minha mãe não me amou. Um dia ela se sentiu confortável em me dizer que eu fui a grande decepção da vida dela - e, note bem, isso foi algo que eu ouvi dela, depois de anos de terapia. Não foi numa briga, foi no consultório da psicóloga.

Minha mãe nunca me amou e por todos os anos em que ela esteve viva ela demonstrou isso das mais diversas formas: agressões, ameaças, desprezo. Ela engravidou quando não queria, quando não podia. Ela fez um enxoval pra um menino. Besteira? Não quando você cresce carregando marcas na alma e no corpo, encondendo-se para que as pessoas não fizessem perguntas. Meu pai? Sentia pena de mim, por isso procurava me dar a atenção e o carinho que eu não tinha - palavras dele.

Uma infância baseada em hematomas e queimaduras de cigarro. Uma vida inteira baseada em meus pais desejando que eu não estivesse ali.

A vida não me fez forte e independente. A vida me fez fugitiva de mim mesma. Viajando para longe, morando em outros lugares, experimentando copos e corpos noite após noite. Fazendo de mim uma escrava da necessidade de carinho e atenção. E o que as pessoas fizeram para me ajudar a evitar minha própria degradação, desde criança? Nada. As pessoas não se envolvem, as pessoas não se importam.
A sociedade em que vivemos é podre.

E minha degradação continuou. Seja pelo estupro que sofri e meus pais me tacharam de vagabunda, seja pelas tentativas de suicídio em que fui considerada dramática, pela gravidez não planejada em que fui chamada de inconsequente. Como se tudo o que passei fosse irrelevante e irresponsável. Quando é tarde demais as pessoas se perguntam o que havia de errado.

Pais que não enxergam seus filhos, se mutilando, se drogando, se destruindo. Mães que ignoram seus filhos, pais que humilham, irmãos que rejeitam. O sangue do meu sangue que me deixa pra trás como algo descartável.

Eu não sou forte como as pessoas gostam de pensar. Minha cabeça sempre esteve doente, ansiosa e angustiada, definhando. Ninguém vê. Ninguém se importa. No final da noite estão todos em seus lares confortáveis cercados de quem lhes é estimado - e aquele amigo, aquele parente, aquele conhecido, tadinho, ninguém suporta.

Ninguém se importa até que é tarde.

Eu não queria morrer. Eu imagino que tenho tanta coisa pra viver, pra conhecer, pra me engajar. Mas eu não tenho mais forças. Eu não sou forte, eu não consigo passar um dia sem derrubar lágrimas, eu não deixo de pensar que tudo o que eu tentei construir não faz qualquer sentido.

Eu tenho um sem-número de motivos pra chegar a este ponto. Minha mãe me espancava, meu pai fingia que não via, meu irmão não entendia. Meu melhor amigo me abusou, meu marido me agrediu, minha filha me deixou. Eu assisti minha morte e não sabia o que fazer a respeito.

Eu não quero as lágrimas da minha família. O que é família? Minha família é um monstro que me engole e me drena. São pessoas egoístas e narcisistas que preferem jogar as cinzas debaixo do tapete pra não terem suas vidas superficiais reviradas e suas rotinas fúteis estremecidas.

As pessoas são horríveis. Todo mundo se degladia em busca de atenção. As pessoas usam e abusam umas das outras e depois dizem que não tem nada a ver com isso e que cada um é responsável por si próprio. As pessoas são muito filhasdaputa.

Eu tenho medo de morrer. Tenho medo de haver algo depois dessa vida e a dor não acabar. Eu sou muito covarde. E eu já estou morta, já não tenho valia nesse mundo. Nem me reconheço mais. Eu não aguento mais viver assim.

Passo as noites pesquisando métodos e técnicas e me pego pensando em quanto tempo levarão para encontrar meu corpo inerte em casa. Consigo imaginar com perfeição meu corpo já putrefato e mau cheiroso - é o cheiro que vai chamar a atenção, não a ausência.

Ninguém se importa.

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